Lavar as mãos antes das refeições é um hábito simples e corriqueiro, certo? Não se você estiver no Quênia, o país africano que ocupa a posição de número 145 no índice de desenvolvimento humano e social (IDH) das Nações Unidas.
A blumenauense Laynara Grutzmacher, 28 anos, está desde 22 de setembro deste ano atuando como voluntária em Nairóbi, a capital do país, e conta que as condições sanitárias por lá são precárias. Farmacêutica formada pela Furb, ela atua na escola Utu Wema Community Resource, localizada em Mukuru Kwa Njenga, a maior favela da metrópole.
Nesta semana, a jovem, que vem mostrando em suas redes sociais tudo que está vivendo na África, lançou uma ‘vaquinha’ virtual. Ela quer arrecadar 5 mil reais para viabilizar a instalação de pias para que as crianças e os professores possam higienizar as mãos antes das refeições.
“Parece básico que uma escola tenha pias para lavar as mãos. Não é o caso desta e da maioria das escolas do Quênia. E como aqui todas as refeições são feitas diretamente com as mãos, sem o uso de talheres, isso é uma questão séria de saúde”, explica.
Colaboradores recebem recompensas confeccionadas pelas crianças africanas
A campanha, criada na plataforma vakinhavirtual.com.br foi lançada na última quinta-feira, 20, e até o fechamento desta matéria já havia atingido mais de 70% da meta de arrecadação.
A rede de amigos de Laynara parece estar sensibilizada com a causa. E um detalhe chama atenção: quem colabora com a ‘vaquinha’, com qualquer valor, recebe um lacinho de tecido confeccionado pelos alunos, crianças entre três e 17 anos.
“Eles estão muito envolvidos. Eu quis aproveitar a campanha para conscientizá-los da importância de lavar as mãos e também mostrar que com o esforço de todos podemos conseguir isso. É mais do que apenas conseguir o dinheiro e viabilizar as obras. Eles estão criando algo — com valor simbólico, claro —, dando uma recompensa, o que é fundamental na campanha”, conta Laynara.
“As crianças quenianas me mostram, na prática, que o amor faz a diferença”
O que leva uma jovem de classe média a deixar o conforto de Santa Catarina (atualmente reside em Florianópolis) para se aventurar na África? Esta foi a primeira de uma série de perguntas que o Farol Blumenau fez à Laynara Grutzmacher via WhatsApp. Confira, a seguir!
Farol Blumenau – Por que e como surgiu a ideia de fazer voluntariado na África?
Lainara Grutzmacher — Eu sempre participei do projetos de voluntário mas, tinha vontade de realizar um trabalho social que fosse além, que me trouxesse a vivência, os costumes, as reais dificuldades. A África, como já é de conhecimento, tem um cenário bastante desafiador, exatamente o que buscava. Com auxílio da Aiesec (instituição pela qual estou realizando o projeto), decidi que Nairóbi seria o lugar ideal para esta realização.
FB — Você ficou muito chocada com o que presenciou ou já foi totalmente preparada?
Laynara — Olha, por mais que eu tenha vindo munida de muitas informações, a realidade por aqui é muito dura. Você mergulha totalmente, é bem diferente de ver pela televisão, de ler reportagens, sabe? Por outro lado, por mais clichê que possa parecer, eu vejo muita esperança e muita felicidade nos olhos destas crianças. Elas provam todo dia que é possível sim fazer a diferença através da educação mas, mais que isso, através do amor. E, aí vai mais um clichê: vim para melhorar um pouquinho a realidade aqui e são essas crianças que estão me ajudando a ser uma pessoa melhor, a transformar minha vida. Está valendo cada segundo.
FB — Na sua visão, hoje, quais são os maiores desafios do Quênia no que diz respeito às crianças e adolescentes?
Laynara — No Quênia, especialmente em Nairóbi, da qual posso falar com mais propriedade, a desigualdade social é muito evidente. A grande maioria das crianças e adolescentes não tem acesso à saúde e principalmente à educação. Como sabemos, através da educação muitas transformações sociais acontecem, com crianças fora da escola ou com um ensino carente de investimento o futuro dessas crianças é incerto.
FB — Você consegue traçar um paralelo entre a realidade queniana e a brasileira?
Laynara — Certamente. No Brasil, também somos carentes em saúde e educação, as mesmas e principais necessidades que detectei aqui. Mas, em Nairobi essa diferença é ainda maior. A impressão que tenho é que os adultos aqui estão conformados de certa forma com esta dura realidade; parecem não ter força para lutar. Já no Brasil, há uma mudança social em curso. Nas últimas décadas temos experimentado uma transformação social importante, apesar de mais lento do que a maioria da população brasileira deseja e merece.
FB — Agora falando sobre a ‘vaquinha’: você acreditava que tanta gente ia se engajar na causa?
Laynara — Estou muito feliz e emocionada com o que estou presenciando. Desde o começo acreditei que era possível atingirmos a meta, mas, nem de longe poderia imaginar que seria com essa velocidade. As pessoas estão se sensibilizando, se envolvendo, buscando saber sobre projetos voluntários, manifestando o desejo de realizar algo transformador também. Isso é fantástico. Muitas vezes, nos momentos dificeis as palavras de apoio e carinho recebidas me dão força pra continuar.
FB — E como serão os trâmites para sacar o dinheiro no Quênia?
Laynara — Essa pergunta é muito importante e fico grata por poder falar a respeito, pois a intenção é justamente que as pessoas se sintam seguras para contribuir. Bom, o valor não está vinculado a nenhuma conta (ninguém possui acesso a ele no momento); a plataforma é baseada na nuvem, apenas quando finalizarmos as arrecadações o dinheiro poderá ser sacado, e aqui em Nairóbi mesmo. A própria AIESEC, juntamente com o diretor da escola, se encarregará de sacar o dinheiro e contratar a obra. Eu já estarei no Brasil quando a campanha finalizar, mas redigimos um projeto antes mesmo de inciarmos a vaquinha. Além do que, teremos pessoas na supervisão dos trabalhos e também na prestação de contas. Serão tiradas fotos durante e após o término da reforma.
FB — É visível nos seus posts que você está muito feliz com essa experiência. O que muda na sua vida a partir desta viagem para o Quênia?
Laynara — Difícil responder o que muda, pois, na verdade, eu não sou mais a mesma. Aqui, estou aprendendo a cada dia o que é o amor. Não que eu não soubesse antes (sempre tive uma família e amigos maravilhosos que me cercaram disso) mas, é esse um amor tão diferente! Essas crianças me provam todo o tempo que o amor faz sim a diferença. Eles me olham com amor, me abraçam o tempo todo, querem ficar perto, é inexplicável! Quanto mais amor ofereço, mais recebo. Aprendi a valorizar pequenas coisas do nosso dia a dia como comida, transporte público, ar fresco. Aprendi a amar ainda mais o nosso país, temos tantas coisas boas aí, a começar pelo nosso povo que é carismático, acolhedor. Vou voltar com muito mais fé e gratidão por tudo.
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