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A Eleição do Inimigo

“Quando os verdadeiros inimigos são muito fortes, é preciso escolher inimigos mais fracos.” Umberto Eco eternizou essa frase no clássico O Nome da Rosa, um romance investigativo rico em mistérios e linguagem cifrada. Não tão enigmático, Lula já apontou o dedo para seu inimigo mais fraco. Escasso de meios de reverter a autonomia do Banco Central, o descondenado afia as garras para a figura de Roberto Campos Neto. É preciso eleger quem carregará a culpa do potencial fracasso de sua política econômica.

Em mais de vinte países, a independência do Banco Central é garantida por lei. Entre esses, economias avançadas como Estados Unidos, Coréia do Sul, Suíça e Chile. Desde que se sentou na cadeira presidencial, não há uma oportunidade que Lula desperdice para descredibilizar a política monetária do Banco Central no que concerne à alta taxa Selic, hoje em 13,75% ao ano.

Não bastasse os vitupérios vindos do próprio Chefe do Executivo, como declarado meses atrás que “os livros de economia estão superados”, toda a sorte de arrebanhados do PT resolveu embarcar nesse folhetim descabido.“Arrogância do BC de Guedes e Bolsonaro não tem limites: querem desacelerar ainda mais a economia e manter juros na estratosfera. O Brasil que se dane, segundo o Copom.”, tuitou Gleisi Hoffmann ao arrepio dos dados.

Ainda na oportunidade de um evento do IDV, a empresária varejista Luiza Trajano disse de cara para o diabo encarnado: “ Queria pedir, por favor, para dar um sinal de que vai baixar esses juros.” O que a mídia festiva chamou de enquadro, me pareceu mais um pedido lacrimoso. Interpretações à parte, ficou claro que a campanha pela eleição do inimigo mortal do governo passou dos limites oficiais do partido.

Edifício do Banco Central do Brasil - foto de Wilson Dias/Agência Brasil
Edifício do Banco Central do Brasil – foto de Wilson Dias/Agência Brasil

Por um gesto de caridade, cabe aqui lembrar o gráfico da evolução recente da Selic.
Em 2012, o Banco Central, ainda sob controle do Executivo e vulnerável às pressões políticas, derrubou a Selic de 12,75% para 7,25%. A canetada pariu uma inflação avassaladora que obrigou o BC a recuar, até os juros atingirem 14,25%. Ninguém questionou o responsável do BC em jantar de gala, rede social ou alhures.

Do impeachment de Dilma à eleição de Bolsonaro, a Selic oscilou dos auspiciosos 6,5% em março de 2018, sob o comando de Ilan Goldfajn, chegando até 4,25%, com o BC já capitaneado por Campos Neto, em fevereiro de 2020. Este precisou aumentar a dose de juros como resposta à farra fiscal promovida por Bolsonaro ao desrespeitar o teto de gastos em decorrência de seus desígnios eleitorais. A Selic chegou aos polêmicos 13,75% de onde não saiu mais. Não se ouviu uma nota de descontentamento do PT.

Se o gráfico da Selic na última década ainda não aponta o lado certo da história, ao menos, transparece além do negacionismo econômico petista, a farsa populista de eleição do inimigo, o vilão do roteiro.

O fel do governo e da horda do PT é vão. A permanência de Campos Neto até 2024 está garantida por lei. Suas decisões quanto ao juros repousam em um fundamentado parecer técnico. Lula e sua gente sabem disso, mas investem nessa cantilena pois ela desce melhor aos interesses governistas do que combater a barafunda fiscal ou fechar a torneira do gasto público.

A vaqueirama petista engaja-se em eleger Campos Neto como vilão, ao passo que este continua executando sua função dentro de diretrizes corretas. Como efeito colateral dessa rusga, vemos que, na verdade, o governo elegeu o povo como seu principal inimigo. Este, fragilizado e indefeso não só pela inflação corrosiva quanto pela falta de perspectiva de uma administração pública responsável.

Quando as comportas da recessão se abrirem, o álibi para o fracasso já estará na ponta da língua.

Lucas Lôbo
Lucas Lôbo
Analista de Redes de Fortaleza (CE) autor de crônicas e artigos
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