sexta-feira, 26 de abril de 2024
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50 de medo, 40 de alegria – O curioso “antagonismo militar” nas histórias de Brasil e Portugal

tanques brasil portugal
No Brasil, o povo fugia dos tanques, em Portugal, o povo os procurava. Medo e alegria num curioso antagonismo militar

De um lado, festa, do outro lado, relembrança temerosa. 2014 será um ano de recordar dois momentos totalmente distintos da história, diria, mundial, entre dois país antes metrópole-colônia e hoje irmãos.

O curioso mesmo fica por conta dos personagens destes momentos, que agiram antagonicamente se comparados os fatos. De um lado uma “revolução” que trouxe 21 anos de ditadura ou contra-ditadura, do outro lado, outra revolução que terminaria com 41 anos de uma ditadura. E em ambas, a presença decisiva das forças armadas.

Estranho, mas no mínimo intrigante.

Auro de Moura Andrade (esq) declara a vacância da presidência, e dispensa Jango a sangue frio
Auro de Moura Andrade (esq) declara a vacância da presidência, e dispensa Jango a sangue frio

O olhar bravo dos generais

Em 1964, precisamente num dia 31 de março, o Brasil entrava num dos seus períodos mais negros de sua história. Na busca de impedir, segundo os ditos “revolucionários”, uma “ameaça comunista”, com a aproximação de sindicalistas, camponeses e outros idealistas do governo de João Goulart, a ala apoiada nas forças armadas da política conseguiu em uma manobra oportuna declarar a vacância do governo federal. Ato este sendo proclamado pelo senador Auro de Moura Andrade, na madrugada do dia 2 de abril de 1964.

O golpe, começado dois dias antes, marcaria um momento tenebroso para o país. Em nome da chamada “doutrina de segurança nacional”, exercito e polícia se mobilizavam atrás de qualquer sinal de subversão. Censura na TV, radio, cinema e jornal. A música, sob o olhar atento dos militares, tentava burlar o regime e expor de alguma forma a situação real do Brasil em meio a cortina que se formava nos anos de chumbo.

Era o momento onde o povo parecia andar de olhos atravessados para as forças armadas, que policiavam em seus mecanismos de vigilância e informações os movimentos de grupos de esquerda que buscavam tomar o regime de assalto. Lentos avanços econômicos, obras faraônicas, eram os 21 anos mais tensos da história brasileira.

E o governo militar assim saiu. A oposição era caçada, e apesar dos avanços, a população se encurrala na repressão (Evando Texeira)
E o governo militar assim saiu. A oposição era caçada, e apesar dos avanços, a população se encurrala na repressão (Evando Texeira)

Ainda hoje há quem se divida, que pense diferente por vários ângulos deste momento. Há quem deseja crucificar sem dó nem piedade o que foi vivido nos anos do regime. Há quem olhe, como eu, alguns feitos positivos dos governos dos generais, mas que não justificam a violência aplicada na repressão. Mas ainda, existe quem sonha em uma intervenção militar nos dias atuais.

Olhando por cima de todas as turbulências que envolvem o Brasil neste ano, mostra que o debate do que foi feito ou não pelos militares no poder está longe de acabar, afinal, ele persiste desde o longínquo 1985, data que um civil voltaria a chefiar o país em Brasília.

Marcello Caetano, continuador das políticas de Salazar, seria deposto pelo MFA em 1974
Marcello Caetano, continuador das políticas de Salazar, seria deposto pelo MFA em 1974

A mão amiga dos capitães lusos

Agora, em súbita mudança de clima, atravessamos o tempo e o mar e aportamos em terras lusas. Estamos em 1974, no auge da ebulição causada pela ditadura do professor Marcello Caetano, sucessor de Antônio de Oliveira Salazar, que procurava manter a todo custo a chamada “política do orgulhosamente sós”.

Naquele tempo, Portugal era o último país da Europa que vivia uma ditadura fascista criada nos tempos de Hitler. Salazar governou o país de 1933 a 1970 e mantinha em seu domínio a vida do povo português. Imprensa e cultura passavam por censura, a economia vivia o atraso e estagnação decorrentes das intervenções lentas do governo, que preferia destinar seus esforços, seja monetários e militares, para manter sob seu domínio as chamadas colônias do Ultramar português na África (Moçambique, Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau).

Capitão Salgueiro Maia, o cérebro por trás dos movimentos heroicos da revolução (cais do olhar)
Cap. Salgueiro Maia, cérebro por trás dos movimentos da revolução (Cais do Olhar)

Secretamente, as forças armadas começam a se mobilizar para frear a ditadura portuguesa, sendo esse o único caminho para por um fim a Guerra do Ultramar e buscar restabelecer a ordem do país, sendo política e economicamente.

Os lances do que seria feito em 1974 começaram a ser planejados secretamente nos quartéis, entre os generais e capitães. No dia 25 de abril, ainda de madrugada, o Movimento das Forças Armadas, comandado pelo capitão Salgueiro Maia, toma um a um os regimentos e prepara terreno para encurralar o governo no Quartel do Carmo, em Lisboa.

Era festa nas ruas, o povo aclamava emocionado o fim de seu martírio de 41 anos abaixo do atraso provocado por Salazar. Os cravos, símbolos da revolução, tomavam conta das ruas. Ao fim do dia, sob gritos de vitória, era colocado no poder o general Antônio de Spinola, a pedido do próprio Marcelo Caetano, para conduzir os destinos da nação.

Os patrícios certamente vão as ruas neste ano comemorar esta data histórica, sempre celebrada de ano a ano com festas, programas especiais, solenidades e apresentações das forças armadas. Há quem questione que o espírito revolucionário de 1974 se perdeu aos poucos com os descaminhos tomados pela economia portuguesa, ainda hoje tão maltratada pelas crises dos países da zona do Euro.

O povo nas ruas, nem mesmo a recomendação de ficar em casa impediu a festa (divulgação)
Nem mesmo a recomendação de ficar em casa impediu a festa (divulgação)

Protestos lembram a data constantemente, não apenas como um fato inesquecível para uma geração, mas como sinal de que o dito 25 de abril não deve morrer e, mais radicalmente, deve voltar.

Considerações finais

São situações imensamente inversas. A celebração do feito das forças armadas em Portugal, o temor do feito das forças armadas no Brasil. As realidades contrapõem-se incrivelmente neste ano, quando ambas as nações lembram seus atos, justo com os mesmos personagens, mas vivendo situações completamente antagônicas.

E assim, a história continua a pregar peças a quem lhe admira. Medo de um lado, alegria do outro. São golpes não apenas de estado, mas do destino, que envolvem os mesmos protagonistas e promovem fatos jamais esquecidos. A vida segue, as lembranças (e coincidências) também.

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