terça-feira, 19 de março de 2024
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Um enredo miserável

Ao estender o direito de greve e de organização sindical aos servidores públicos federais, estaduais e municipais a nova Carta Constitucional reforçou a capacidade de criar dificuldades para a população.

A Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a nova Carta Constitucional de 1988 não referendou apenas uma realidade ou prática consumada, como argumentaram muitos parlamentares a época e que não souberam constatar a medida e nem medir os efeitos de sua transformação em norma constitucional. Os constituintes foram além, eles depositaram nas mãos do imenso contingente de funcionários públicos extraordinário poder de pressão, ao qual toda a população hoje é obrigada a sucumbir.

Qualquer pessoa razoavelmente informada sabe que os governos foram criados pra resolver um certo número de problemas que surgem, inevitavelmente quando os homens vivem em sociedade.

Com recursos geralmente obtidos por intermédios da cobrança de impostos, os governos devem prestar serviços à população. Em nenhum momento os constituintes em 1988 enxergaram esta obviedade.

Em seu afã “democrático e populista” e também de olho na montanha de votos representados pelo funcionalismo público – os parlamentares julgaram que os trabalhadores do setor público deveriam se beneficiar dos “ avanços sociais” semelhantes aos concedidos aos trabalhadores da iniciativa privada.

COERÇÃO SEM LIMITES – A concessão do direito amplo de greve a servidores que já gozam de estabilidade alargou ameaçadoramente a capacidade de pressão e reivindicação de um setor que precipuamente deve prestar serviços a população, muitos deles essenciais.

Portanto o risco, que no passado era remoto hoje é efetivo. Nesta nova coerção sindical manipulada por servidores o resultado foi a distorção da função do governo – que deve resolver problemas, não criá-los.

O Brasil nas últimos 25 anos tem tido governos, na esfera federal, estadual e municipal com uma formidável fábrica de problemas. A face mais visível dessa fabricação são as greves gerais, com calendário definido anualmente. Do Correios aos bancários, do transporte coletivo aos servidores do INSS e tantos outros.

DEUS, CONSTITUIÇÃO E SERVIDOR PÚBLICO – A Constituição de 1988 ampliou e distribuiu benefícios: ingresso por concurso público, isonomia, direito a greve, mandado de injunção, aposentadoria mais digna.
DEUS, CONSTITUIÇÃO E SERVIDOR PÚBLICO – A Constituição de 1988
ampliou e distribuiu benefícios: ingresso por concurso público, isonomia, direito
a greve, mandado de injunção, aposentadoria mais digna.

CRISE ARTIFICIAL

Na raiz de toda esta crise há um problema igualmente fabricado por sindicatos. A busca incessante de benefícios e estabilidade. Não é de admirar que cientistas políticos não estejam alarmados com a ingovernabilidade que se mantém por exemplo na oitava greve em curso este ano no transporte público de Blumenau/SC. Como partidários da greve, a Constituição simplesmente concedeu aos trabalhadores “ condições legais” de chantagear a sociedade.

Os dirigentes sindicais conhecem muito bem o poder de coerção que tem sobre os seus próprios colegas, quando poucos funcionários comparecem a uma assembleia e que votam na continuidade de um movimento que envolve dezenas de milhares de servidores, com reflexo na vida de milhares de pessoas.

A despeito de atrapalharem a vida da população, os grevistas sempre que podem pedem a “compreensão” de todos para os problemas que eles enfrentam. A dinâmica sempre é a mesma. O presidente do sindicato reconhece que a “população” será a maior prejudicada com a greve, no entanto sempre acrescenta que conta com a “solidariedade” dos passageiros.

A voracidade reivindicatória destas categorias foi estimulada pela nova constituição, que ampliou e distribuiu benefícios sem indicar porém, os recursos que o financiarão.

É notável mesmo a influência que as organizações sindicais exercem sobre o restante da sociedade, obviamente com os préstimos da elite intelectual e demais pessoas que fazem a opinião pública nas redes sociais. Foram estes que trataram de conferir uma aura de legitimidade às pretensões dos dirigentes dos sindicatos. Assim tudo se passa como se os líderes estivessem lutando, em essência, pela liberdade de associação e pelo direito de decretar greves – que é um direito normal, mas que pelas conseqüências que encerra, só deveria ser exercido em caso extremo e dentro das condições que não obrigassem trabalhadores a obedecer à vontade dos dirigentes sindicais.

No Brasil, a maioria esmagadora das greves é decidida antes mesmo das negociações com os empregadores, e aprovada em assembléias parcamente representativas. Em seguida os sindicatos impedem com os chamados piquetes pacíficos o acesso ao trabalho das pessoas que não concordam com a paralisação. O piquete é um instrumento de intimidação e de ameaça à esfera privada do indivíduo – e nada é capaz de alterar essa sua natureza coercitiva. Os sindicatos tentam disfarçar a coerção alegando que os objetivos buscados com o piquete são legítimos.

A sociedade livre está submetida a coerção. A Assembleia Nacional Constituinte em 16 de agosto de 1988 aprovou em primeiro turno a concessão às organizações sindicais do país um poder de coerção absolutamente incompatível com uma nação livre. Os constituintes transformaram os sindicatos em instituições singularmente privilegiadas: a elas não se aplicam as normas gerais que servem de limite à ação do Governo e qualquer pessoa ou grupo de pessoas físicas ou jurídicas.

A leviandade dos constituintes em 1988 abriu caminho para as greves nos serviços essenciais, como o transporte público, derrubando a proibição que constava na Constituição anterior.

Vinte e sete anos se passaram e apenas os ingênuos são capazes de supor que o atual Congresso Nacional estipulará limites rígidos ao direito de greve.

Vale aqui lembrar que no mesmo dia que aprovaram o direito irrestrito a greve lá em 1988, os deputados da Assembleia Nacional Constituinte tomaram decisões sem pensar nas suas consequências. Neste dia foi aprovado o voto facultativo para os jovens maiores de 16 anos e menores de 18 anos. O principal advogado da proposta foi o senador Afonso Arinos. Nas galerias, cerca de meia centena de estudantes da Juventude Socialista comemoraram o resultado. Com a aprovação do voto opcional foi anunciado em regime de urgência para votação a maioridade civil e penal dos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a partir de dezesseis anos de idade. A demagogia tem hoje a idade de 27 anos.

Sérgio Campregher
Sérgio Campregher
Sérgio Campregher é historiador pela Uniasselvi/Fameblu e fala sobre política nacional e internacional e curiosidades. Escreve de Blumenau.
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