sexta-feira, 11 de outubro de 2024
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O Sul não é o seu país; O Brasil é

A vitória da Dilma trouxe uma segunda-feira muito estranha, embora previsível: cheia de gente chorando, com suas fotografias meio embaraçosas publicadas nos grandes portais, me levando a pensar mais em Copa do Mundo do que em eleição; cheia de xenofobia, de xingamentos, do preconceito das pessoas vindo à luz nos momentos de desespero; cheia de amizades perdidas, de Facebook apagado, de perfis bloqueados; cheia de gente curtindo um barato no Leblon, enquanto jurava que ia deixar o Brasil, tão feliz em ser considerado elite nacional que não parecia ter muita noção de como a vida é uma vez que você passa a ser imigrante em outros país. Mas deixemos essas pessoas por um instante. Penso que o tempo e, mais importante, a realidade, eventualmente traga um pouco de noção de volta à vida delas.

Quero falar é da outra herança da vitória do PT: a idiotice do movimento separatista, que vem à tona sempre que uma eleição mostra resultados que desagradam os que se entendem como elite do Sul e do Sudeste, um pouco como a criança que, quando perde o jogo de futebol no playground, fica brava e quer levar a bola para casa, dizendo que a bola é dela. A falta de entendimento básico do que significa uma democracia me deixa pasma. Diz-se um povo estudado, o povo do Sul, escolarizado e superior sob muitos aspectos, mas não parece entender conceitos básicos de política, ou de sociedade; alguns nem mesmo sabem da existência dos três poderes, mas se jogam imediatamente à causa do separatismo a partir do momento em que Dilma aparece na televisão, discursando, fomentado pelo seu ódio anti-petista.

Parem um pouco de ler e recuperem o ar. Façam um chá de camomila. Depois voltem para cá, porque precisamos conversar. O que posso dizer vai doer, mas como o band-aid que a gente puxa da ferida, precisa ser feito e, de preferência, de uma vez: o Sul não é o seu país.

Mais uma vez: o Sul não é o seu país.

Brasil: este é o seu país. Brasil, sim, com suas qualidades e defeitos.

Eu moro em Blumenau, cidade que se crê superior política e intelectualmente, mas que só é realmente memorável para o restante do país pela Oktoberfest. Uma cidade marcada pela tragédia da enchente, onde parte do povo perde tudo nas temporadas fortes de chuva, onde pouco se faz para se evitar as grandes desgraças, das quais Blumenau só se reergue graças à contribuição do governo federal, impostos gerados em outros estados, em outras cidades, as mesmas de que o sulista, que se enxerga tão independente, quer se separar. Aqui, habita um povo conservador, um povo que se acha europeu, seja lá o que possa significar ser europeu. Aqui, o governo se utiliza de uma campanha que seria hilária, se não nos parecesse tão triste; outdoors que se erguem pela cidade, anunciando “Blumenau, Alemanha sem passaporte.” O brasileiro que se acha alguma coisa além de brasileiro.

O brasileiro que deseja ser brasileiro na hora do aperto, mas que se declara outra coisa quando seu candidato não vence ou quando topa com o dedão do pé em uma quina de mesa.

O-SUL-É-MEU-PAÍS

Conheço bem o Sudeste; conheço bem o Sul. Nasci no Rio de Janeiro, morei na cidade, mas também fui criada em São Paulo, criada em Minas e em Santa Catarina; já percorri o estado inteiro, do litoral à fronteira estrangeira, já desci pelo Rio Grande do Sul, e posso constatar que o Brasil é o Brasil em todos os lugares; que existem divergências culturais, tradições, mas que somos todos inescapavelmente brasileiros, ligados pelo Jornal Nacional e pelas novelas da Globo. E que todos dependemos um do outro.

São Paulo é o estado mais rico do Brasil; dizem que é prova o suficiente para que ele se separe do restante do país. O que não mencionam são os milhões de nordestinos que trabalham em São Paulo, que fazem a máquina funcionar, que aceitam os empregos menores, os empregos que seu filho conservador de 24 anos não quer, porque prefere ficar no apartamento dos pais enquanto gasta o que ganha com vídeo-games e o tempo que tem escrevendo sobre os males do bolsa-família na internet, o que ele chama de bolsa-vagabundo. A gente que tem privilégios falando dos que não têm; tão típico comportamento brasileiro. Enquanto explora-se o Nordeste, suas terras e os bens naturais. Aí não se fala de separatismo, aí não se diz vítima. “Estão tirando nosso dinheiro para sustentar vagabundos” Estão tirando seu dinheiro para sustentar um país. O que significa investir nas áreas mais pobres, nas áreas onde há gente na miséria, sem água encanada e sem o que comer. É o que faz da sociedade uma sociedade.

Considere a hipótese, a hipótese maluca e estúpida, de que o Sul se separe, ou de que Sul e Sudeste se separem do restante e unam-se em casamento e sejam felizes juntos: as partes mais ricas do Sul não sustentariam as mais pobres do Sudeste? E vice-versa? É claro que sim. Ou se crê que a miséria, que a pobreza existem apenas mais ao norte do país?

Esquecendo um pouco de hipótese, vamos aos dados: acredita-se que o que elegeu a Dilma foi o Nordeste. Eis um mito que já foi esclarecido, porque todos os estados do país tiveram uma porcentagem significativa de votos para o 13. Até mesmo aqui, no Sul. Como seria sugerido o separatismo, sabendo o que se sabe? Uma vez que não se pode colocar um muro entre o Sul e as outras regiões do Brasil, colocaria-se um muro em cada cidade do Sul? Em cada estado? Deixo você resolvendo esse enigma (mas cuidado para não doer a cabeça) e sigo falando de Blumenau.

Blumenau: ode à cidade de trânsito caótico, de políticos envolvidos em escândalo, de conservadores e preconceituosos, de polícia que sabe onde ficam os pontos de tráfico, mas que nada faz a respeito, de quem toma proveito, de quem baixa filmes e música ilegalmente, de quem joga lixo nas ruas, de quem abandona cães, de ônibus que precisam parar longe de pontos ermos para que aquelas do sexo feminino, nós, possamos descer sem medo, porque segurança não, há, porque educação não há; Blumenau, a cidade em que se mata e que se assalta, a cidade que precisa se reconstruir a cada nova enchente, a cidade que desvia fundos, a cidade que uma parte e representação do Sul, que é uma parte e representação do Brasil.

Blumenau: que é igual ao restante do país. Sul: que é igual ao restante do país, também. Sulistas, os sulistas que querem o Sul independente, acordem; somos todos irmão, somos todos brasileiros. Não há linha de estado ou regional que nos separe. A verdade é que somos iguais, que sofremos dos mesmos problemas, chegamos aqui escravos ou exploradores, imigrantes a fugir da fome, imigrantes desmatando e assassinando ou tentando converter o povo que aqui já vivia para nos apropriarmos do que era deles. A verdade é que não vai haver separação. Em um mundo em que ela não se tratasse de algo inconstitucional, em um mundo em que separação pudesse existir, sulista, ainda seguiria sendo você um brasileiro, mesmo contra sua vontade. Ainda continuaríamos um país atrasado, de mente fechada, onde o que importa é o meu, onde os outros podem passar fome, onde elege-se o Congresso mais conservador em anos.

Sulista que deseja a separação: você é o retrato perfeito do Brasil. Separar-se por quê? Está em casa.

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