Acabou
Quase 45 anos de história viraram cinzas, e cinzas dolorosas. A memória de Blumenau chora, lamenta e observa entristecida a cena de barbárie do sinistro consumindo sem dó nem piedade a histórica sede do antigo restaurante Frohsinn. O topo do Morro do Aipim, ora majestoso pela beleza da mata e pela vista monumental da cidade agora guarda uma carcaça calcinada de restos de madeira, tijolo, árvores e histórias perdidas, que permanecerão inesquecíveis no coração dos saudosistas e de seus ex-funcionários.
Inaugurado no impulso do turismo blumenauense, em 1969, a obra ganhava ares de Alpes no centro da cidade. Era construída em um solo tecnicamente histórico, já que o Morro do Aipim era de propriedade da família de Dr. Blumenau e fora doado a cidade em 1911, por intermédio de Pedro Hermann e Christina Blumenau, em visita a cidade. De apenas um belo panorama, o Frohsinn virou expoente da culinária típica da cidade-jardim, mantendo no cardápio iguarias que antes constavam nos livros das “omas” há muitos anos.
No cardápio, chopp genuinamente citadino, o curioso Hackapetter (carne moída crua e temperada), o apimentado Einsbein (joelho de porco), o irresistível “Apfelstrudel” (torta de maçã), sem falar no marreco com repolho roxo, que no Frohsinn era preparado como nos tempos coloniais, levando exatamente 40 horas de cozimento lento, gradual e seguro. A boa comida, no entanto, não era a mesma sem as noites de Kerb, as noites de reunião de famílias, autoridades, famosos, pessoas que esqueciam suas hierarquias e estavam todas sentadas nos mesmos bancos, sobretudo no natal, onde a ceia reunia a todos na mensagem cristã e na plural da paz.
Mas os bons ventos não mais sopravam positivamente nas frondosas árvores do Morro do Aipim. Em outubro de 2013, a prefeitura tira dos donos, já combalidos em problemas financeiros, o direito de explorar seu prédio para o uso de um restaurante. Dali por diante uma intensa discussão sobre vender ou ficar tem início. Os órgãos de cultura são contrários a venda em benefício (altamente nobre) a preservação histórica de uma propriedade originalmente do povo. A administração e o turismo, favoráveis sem que nada os mudasse a ideia. No meio da ciranda, um prédio histórico que via-se cada vez mais refém da ação de vândalos, viciados, de qualquer tipo de cidadão desocupado que fazia do local seu antro.
Abandonado a própria sorte, teve a chance de ser salvo, nem que para isso fosse apenas a mão de jovens idealistas e inspirados na ideia de fazer do casarão o novo lar da sua música, cultura, teatro, de seus pensamento. O coletivo Vamo Siuni? organizou sua força-tarefa, convocou a mocidade via Facebook e, em uma ação louvável, cumpriu aquilo que a administração pública era visivelmente incapaz de fazer: Limpar como podia o espaço violentado do Frohsinn, terminando o dia ao som de batuques e dança com a vista da cidade-jardim de companheira e a esperança que algum dia o velho restaurante fosse casa de preservação da produção artística, cultural e de memória da cidade. Boa intenção, que não foi suficiente no duelo de interesses, que culminou no fim de tarde ensolada de quarta-feira (20/8), com um incêndio criminoso (e suspeito) e 45 anos de história virando cinzas e chamuscas em meio a mata.
Culpados? Não se aponte apenas os malditos vândalos, que insistem em dizer que a cidade é “sua”, aproveitando a ausência da lei e da punição para fazer de Blumenau sua “caixinha de brinquedos” com seus atos depravados e nefastos. A grande responsabilidade mesmo é do poder público municipal, que desde a tomada do imóvel manteve a teima descabida em vender, as discussões acaloradas, a perda desnecessária de tempo em transformar o antigo Frohsinn num espaço digno da história e cultura da nossa cidade.
Salva-se apenas o impedimento a Fundação Catarinense de Cultura, que queria o Frohsinn para sí apenas para junta-lo a lista de patrimônios maltratados e mal cuidados por Santa Catarina. Neste embróglio, o tempo perdido do jogo de poder é que deu o golpe de misericórdia na bela casa do Morro do Aipim
Escrevendo eu com a alma chorosa? Sem dúvida que sim. Como entusiasta da história, blumenauense enamorado com sua cidade e um jornalista atônito, assistimos com o sentimento de culpa e uma certa dose de enlutamento a última página de uma trajetória que não podia acabar, de um lugar que Blumenau se encontrou, provou sua comida típica, dançou nas noites de Kerb…viveu a sua cidade em toda sua beleza…Esperança de o ver majestoso novamente e como lar das manifestações artísticas e da preservação da memória? Talvez algum dia, driblando a “burrocracia” e os desmando, volte a nascer o “Estado de Alegria” (significado de Frohsinn, em alemão) nas matas belas do imponente morro.
O Frohsinn se foi…talvez volte, quem sabe?