quinta-feira, 25 de abril de 2024
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A Fúria do Impossível

Atenção: o texto abaixo explora um acontecimento factual, porém, alguns personagens aqui descritos encontram-se dentro do domínio da ficção. Os únicos citados pertencentes ao mundo real são Maria Belon e sua família. No mais, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

por Lucas Jiensen

Diferente de todos os períodos de alta estação no sudeste Asiático, em dezembro de 2004, uma série de eventos desencadeados pela natureza levou a um dos desastres mais aterradores que o mundo já viu. Tailândia, Indonésia, Malásia e Maldivas viram suas paradisíacas praias tornarem-se alvo de um destrutivo tsunami.

A primeira peça do dominó de acidentes fora derrubada em 26 de dezembro de 2004 na costa oeste de Sumatra. Um terremoto submarino de magnitude 9 na escala Richter fora detectado por um sismógrafo do Centro de Alerta de Tsunami no Pacífico (EUA). O aparelho alertou para uma atividade sísmica ocorrendo a 160 quilômetros a oeste de Sumatra. O abalo durou cerca de dez minutos.

Uma dupla de cientistas fazia o monitoramento das atividades sísmicas no Pacífico. A primeira reação de Sachin Tagore, geofísico júnior do instituto, fora acionar a manutenção para verificar se a aparelhagem não estava com defeito.

“A agulha saiu do 6, depois 7.. 8… e chegou ao 9. O resto todos já sabem.”

Tagore ligou para seu chefe relatando a ameaça que se aproximava do sudeste asiático. Um alerta fora emitido por volta das 6 da manhã, horário do Hawaii.

Os turistas do paradisíaco balneário de Ao Nang, na Tailândia, estavam ansiosos para mais uma manhã de sol, brisa, mergulho no mar e bebidas refrescantes. Essa distante localidade era conhecida por sua característica singular em mesclar um sol escaldante, areia branca e mar gelado em um só cenário. Infelizmente, para os que ali estavam para se divertir, acabaram encontrando a morte horas depois.

A professora francesa Kasia Bredon esperava encontrar paz depois de um ano repleto de reviravoltas. A separação conturbada e uma repentina mudança de emprego remexeram sua vida. Só restou a senhora europeia, pegar suas economias e fugir para o Pacífico com as duas irmãs. Desembarcou em Bangkok no dia 15 de novembro para uma pausa de dez dias na rotina. O dia 26 era o momento da despedida de uma temporada de férias inigualável. Uma última foto na areia branca seria uma recordação com gosto de troféu.

“Nós não percebemos a movimentação ao nosso redor. Acreditei que devia ser alguma correria das crianças e continuei a tirar fotos. De maneira repentina, um impacto atingiu-me na cintura, eu girei sem equilíbrio, e cai. Quando me dei conta do que estava acontecendo, havia água em meus olhos.”

A francesa relata com emoção os detalhes que se lembra após esse momento. Seu relato contém momentos de pânico, onde gritos de desespero proclamavam um destino fatal debaixo das águas. Uma parede sucumbia diante da força das águas, tijolos eram arrancados como peças de um jogo de montar. A professora lembra que conseguiu vir à tona e respirar. Avistou uma das amigas agarrada a um poste, mas não iria suportar. A enxurrada era mais forte.

“As pessoas passavam por mim, algumas mortas, outras quase lá. A correnteza levava tudo. Eu sabia que em poucos minutos, eu seria a próxima.”

Uma família de pescadores indianos acreditava que o mar não poderia causar tanta surpresa, até aquela manhã. Vivek Varman foi o primeiro a prospectar alguma diferença na maré, levando o trio de irmãos à insegurança em alto mar. Um tremor foi sentido por todos e, minutos após o primeiro susto, ondas se chocavam contra a embarcação. Os irmãos se preocuparam em agarrar-se ao que podiam, a estrutura do barco dava sinais de que não suportaria os frequentes impactos. Todos os cuidados foram varridos pela água quando uma onda de mais de seis metros encobriu sua ferramenta de trabalho.

O barco fora herdado do pai, que agora não veria mais as gerações posteriores tirarem do mar seu sustento. A embarcação fora revirada pelas águas, se despedaçando a cada rocha que encontrava no caminho. Vivek aplicou braçadas fortes até conseguir agarrar-se a um pedaço do barco. Era tudo que havia restado da herança familiar. Não havia tempo para lamentações. Se quisesse recuperar os bens mais preciosos deixados pelo pai, Vivek sabia que precisava achar seus irmãos desaparecidos. Após alguns minutos de gritos desesperados, Rahul, o mais novo do trio, deu sinal de vida.

Durante horas, a dupla de pescadores não teve qualquer sinal do outro irmão, Manoj, o menos versado na arte do nado em alto mar. Os irmãos estavam a mais de três horas a deriva, mas qualquer cálculo seria infundado diante de uma situação dessas. Como não bastasse o impacto e o desespero em ter um irmão sumido, a fome e a sede mitigaram qualquer surto de lucidez. Os pescadores estavam cansados e sedentos. A pele frígida, os lábios rachados e os braços sem força para segurar naquela tábua. Não obstante tudo que havia acontecido, os irmãos tiveram que lidar com a sede que os levou a beber água do mar: um ciclo vicioso de desidratação que terminaria na morte dos dois pescadores.

“Eu estava tão desnutrido e afetado pelo sal da água que não conseguia pensar… Meus olhos ardiam e meu estômago parecia murchar. Não tive mais forças para segurar a tábua. Olhei fixo para meu irmão. Queria olhar para ele até partir. Seria a última coisa que eu veria antes de deixar essa vida. Naquele momento eu pude perceber algo diferente naquela cena. Ele não estava olhando para mim. Só observava o céu.”

Paulatinamente, o som de algo vivo ganhava potência. Era um corpo disforme e embaçado que flutuava acima dos irmãos. Um helicóptero vermelho e branco da Marinha Indiana pairava a poucos metros dos sobreviventes à deriva. A salvação havia chegado ao som das hélices mordazes. Chegando ao acampamento improvisado de atendimento médico aos feridos, terceiro irmão bradava seus nomes. Estava vivo, mas com cortes em todo o corpo. Apesar dos ferimento, estavam a salvo.

A fatalidade enviada pela mã e natureza sentenciou milhares de vidas, mas a inda houve bravas almas que lutaram contra o inexorável destino e venceram. Un s dos relatos que mais chamam a atenção veem de uma família espanhola. Maria Belon, médica residente em Madrid, aproveitava pra fugir do frio que fazia no país merengue em dezembro. Seus três filhos (Lucas, Tomás e Simón) e seu marido Enrique faziam companhia naquele dia. A fa mília aproveitava a manhã refrescando-se na piscina do resort em Khao Lak, quando o tsunami veio sem anunciar. Maria Belon perdeu a noção do tempo mediante o s usto. A médica só lembra que segurou em um a árvore enquanto a maré revolta derr ubava o que estivesse à frente. Acreditando que já estava morta, viu o filho com vida ser arrastado por uma onda mais forte. Na tentati va de salvá-lo, Belon tentou nadar c ontra as águas e acabou lesionando a perna esquerda em objetos cortantes deixados para trás. Foi então que o tsunami perdeu força.

Maria Belon e família durante a premiere do filme O Impossível (2012), baseado na história de sobrevivência da médica espanhola.

Em um sacrifício além da com preensão humana, mãe e filho ajudaram-se até encontrar uma frondosa e ex uberante árvore que se quer havia sido afetada pelas ondas.

Por cima dos galhos mais altos daquela abóbada de flores verdes, Maria e Lucas Belon tiveram suas vidas resgatadas por moradores locais que os levaram a um vilarejo longe dos efeitos daquela catástrofe. Dias depois o sismo, encontrou o restante de sua família no hospital onde fora operada. Um dos poucos finais felizes em uma onda de relatos funestos .

De acordo com o Observatório Geológico dos Estados Unidos, o tsunami do Índico foi consequência de um dos dez maiores terremotos documentados, vitimando 227.898 vidas. Dos países assolados, a Indonésia foi a que perdeu mais vidas – em torno de 170 mil. Os países mais afeta dos entraram em estado de emergência enquanto as principais redes de notícias relataram os horrores. A ONU contabilizou aproximadamente 1,8 milhão de desabrigados nos 13 países afetados. O prejuízo financeiro de US$ 10,7 milhões foi irrisório diante de todas as vidas levadas pela fúria da natureza.

Ainda hoje, os países afetado s temem por um novo grito de cólera vindo dos mares.

Redação
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