quarta-feira, 24 de abril de 2024
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Blumenau

Eu meio que odeio o verão

A primeira coisa que eu fiz quando chegamos no hotel foi analisar a colcha do quarto: porque eu descobri, graças ao Discovery ID, que roupas de cama de hotéis, quando lavadas uma vez por ano, podem ter mais de 100 manchas de sêmen, além de sangue de um hipotético assassinato. A colcha não me diz nada: ela é branca e cheira a tecido limpo. Mas o banheiro é estranho: o armário e o frigobar ficam nele, uma noção que me parece estranha. Quem vai abrir uma Coca no mesmo lugar em que usa o vaso?

Estou de frente para o mar. A varanda é ampla e tem espreguiçadeiras de vime onde eu passo a maior parte do tempo escrevendo, tirando fotos do cenário conforme a passagem do sol vai alterando tudo. Eu meio que odeio o sol; exceto quando é para uso fotográfico.

Eu faço algumas tentativas corajosas de ir para a praia. Deixo o quarto parecendo um fantasma, de tanto protetor solar que coloco, mas de alguma forma, aquela forma que sempre acontece comigo, consigo a proeza de queimar meu couro cabeludo. O mar é antecedido por uma lagoa. O mar é violento, com bandeiras erguidas para alertar os turistas, então passo meu tempo coletando conchas e boiando na lagoa que nem um bicho inflável. Me deixem boiar e posso conquistar o mundo. Estou com 27 anos e é o que faço: porque não aprendi a nadar. Sei nadar como meu cão nada, mas é meio patético, e um grupo de meninos de nove ou dez anos fica me observando e rindo. Eles estão tentando pescar. Seguram umas redes compridas e xingam alto quando os peixes sem provam mais rápidos e escapam. “Se fodam aí,” penso, com certo sentimento de vitória, nadando que nem um pug de volta para o barco.

Foto por Clara Madrigano.
Foto por Clara Madrigano.

O barco: é a única forma de se ir do hotel para a praia (e vice-versa; óbvio). O remador me observa como se uma espécie curiosa, nunca vista antes, eu agarrada às bordas do barco e tremendo, com medo de que ele vire.

— Vai virar? — Pergunto.
— Não — ele diz.
— Não vai mesmo? Certeza? Porque, assim, eu sofro de ansiedade, e isso está me deixando meio ansiosa.
— Não vai virar — ele garante. E imagino que esteja pensando: “se fode aí.”

Chego do quarto e descubro que me queimei em lugares em que eu jurava haver me besuntado e de protetor solar. Minha pele não é confiável. Nada em mim é confiável. Mato duas aranhas no banheiro e tenho um momento de pânico em que sapateio em um círculo por uns cinco segundos; eu meio que odeio aranhas. Procuro por elas em todos os cantos do quarto, mas não encontro mais nenhuma. Durmo com o som do mar e com o som de insetos batendo na tela protetora da varanda.

Segundo dia: tempestade sacode o litoral e não me deixa sair. Mas vejo raios espetaculares. Enxergo também um corredor solitário nas areias da praia, e fico pensando, “má ideia, má ideia,” mas secretamente torço por ele, o homem desafiando os raios e o Darwin Award.

Visito outra lagoa, no dia seguinte. O dia não está bonito, mas não chove. Me sinto uma criança, boiando pela lagoa enquanto algumas pessoas radicais praticam suas coisas radicais no mar violento. Faço que vou entrar nele e enfrento algumas ondas, até que uma delas bate com força em mim e me devolve à areia, que nem lixo descartado na água. Gasto praticamente o protetor solar inteiro, mas ainda me queimo. Não fico bronzeada. Só fico da cor do camarão e depois começo a descascar. Eu odeio o verão. Eu não sou pessoa de praia e não sei o que faço aqui. Quero ficar no meu quarto, lendo Outlander e apreciando o ar-condicionado. Mas me forço a ter experiências, porque dizem que é do que todos precisam: mais experiência, aproveitar mais a vida. A única coisa que descubro é que eu bóio muito bem; até alguém enfiar acidentalmente uma prancha ou um caiaque na minha cabeça. Eu me entupo de frutos do mar; eis uma parte de que eu gosto mesmo. Eu visito a Gelomel local e faço uma orgia de bolas de sorvete; eis outra parte de que também gosto. Mas o sol mostra sua cara e me escondo, que nem uma vampira. Fico passeando pelo hotel e perseguindo os dachshunds da dona, querendo tirar fotos com eles. Os dachshunds me lançam expressões entediadas: “Você acha que é a única que já fez isso?”

— Mas, caras, só quero umas fotos.
— Se fode aí.

E vão latir para os carros dos hóspedes que chegam.

Retorno do feriado com o couro cabeludo ardendo e os pés doloridos, de tanto escorregar com meu chinelo por aí. Eu meio que odeio o verão.

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