Uma viagem tranquila em pleno ar, passageiros em pleno relaxamento, seja com música no ouvidos, uma revista nos olhos ou ate mesmo um sonho na mente. Crianças animadas com a paisagem dos ares, empresários negociando, cientistas estudando. Tudo vai bem dentre as nuvens. Ate, de repente, o som agudo de um míssil quebrar o silencio ruidoso das turbinas e emudecer em segundos o que parecia ser um percurso tranquilo. Vidas ceifadas, um itinerário encerrado do nada, sendo que desta vez, o avião, o meio de transporte mais seguro do mundo, nada teve de culpado na catástrofe.
O trágico fim da linha para os passageiros do voo MH17 da Malaysia Airlines chocou o mundo nos últimos dias pelo contexto em que está imerso. Ao cruzar o espaço aéreo ucraniano, o imponente Boeing 777 malaio era, ao que indicava os indícios, abatido cruelmente por um míssil terra-ar, disparado por rebeldes separatistas pró-Rússia em disputas territoriais na Ucrânia. Em minutos, a companhia aérea asiática, que assistira há alguns meses antes o misterioso desaparecimento de uma de suas aeronaves, volta a planejar operações de crise e a consolar famílias sem pais, mães, filhos, maridos e esposas, imersos numa bolha novamente eclodida na região por conta das crises entre russos e ucranianos.
Enquanto as tensões rolam entre o governo de Vladmir Pútin, Kiev e a comunidade internacional, as investigações tentam se desvencilhar das mãos dos guerrilheiros da fronteira, que ditam as regras sobre os corpos e as caixas pretas da aeronave, já liberadas para a Malásia. No entanto, abatimentos de aviões comerciais não são nenhuma novidade na aviação civil. Descuidos alegados, possíveis bombardeios intencionais e acidentes mal-explicados fazem o MH17 entrar no hall da história das viagens jamais terminadas, interrompidas pela descuidada (ou não) ação bélica nos céus de suas trajetórias.
Desde 1967, mais de 700 pessoas já perderam a vida em 19 incidentes parecidos, de acordo com dados da Flightglobal Ascend, consultoria de aviação do Reino Unido, que mantém em seus arquivos uma base detalhada sobre acidentes aéreos. O último abatimento de uma aeronave civil registrado foi em 2007, quando um avião Ilyushin, da companhia bielorrussa TransAVIAexport Airlines fora atingido por um foguete na periferia de Modagíscio, capital da Somália, fortemente assolado por disputas armadas entre forças dos Estados Unidos e milícias rebeldes do ex-presidente somaliano Mohamed Farrah Aidid. Os passageiros eram engenheiros e técnicos da Bielorrússia que fariam reparos em outra aeronave também atingida por um míssil.
No entanto, casos de abatimento de aviões comerciais, por não serem rotineiros, sempre chocam e revoltam a opinião pública de alguma forma pela complexidade da situação, da grande comoção pelos mortos e pelas controvérsias entre as investigações e as responsabilidades dos disparos.
Em 1973, 106 dos 113 passageiros do voo 114 da Libyan Arab Airlines foram mortos quando o Boeing 727 da companhia líbia foi abatido por caças israelenses ao cruzar equivocadamente o deserto do Sinai (controlado por Israel), em sua rota que seguia de Tripoli para o Cairo, capital do Egito. Até ali faziam-se quase 18 anos desde o último acidente deste tipo, na Bulgária, em 1955.
Em outro caso, noticiado pelo FAROL meses atrás, o misterioso desaparecimento do Boeing 707 da Varig no Oceano Pacífico também tem entre suas hipóteses o abatimento por caças soviéticos. O voo 967 teria, segundo suas vias de investigação, sido colocado ao chão por dois motivos: Invasão do então perigoso espaço aéreo soviético ou uma espécie de ação planejada pelos russos, por acreditar-se que a aeronave brasileira transportava para os Estados Unidos – destino do voo – documentos de espionagem.
Não seria a primeira vez que a URSS estaria no pivô de um incidente deste porte. Desta vez, e de forma efetiva, os soviéticos seriam responsáveis pelo abate de um Boeing 747, que fazia o voo 007 da companha coreana Korean Airlines (KAL). A aeronave partira de Nova York com destino a Seul, fazendo uma escala em Anchorage, no Alasca. Perseguido por caças MIG ao entrar no espaço aéreo da Ilha de Sakalina (base militar da URSS), o jumbo seria impiedosamente atingido, matando todos seus 269 passageiros.
Outro caso, em 1980, prendeu a respiração dos italianos quando uma aeronave Douglas DC-3 da companhia Itavia foi atingido por um míssil de um avião de guerra até hoje não identificado. O desastre matou todos seus 81 passageiros, dentre eles 13 crianças e seguia de Bologna com destino a Palermo. Até hoje, mesmo reconhecido que o disparo fatal viera de um avião de guerra, não se sabe de onde saiu o míssil e quem foram os responsáveis.
Já em 1988, um Airbus A300, da companhia iraniana Iran Air, seria abatido logo após sua decolagem para o trajeto entre Bandar Abbas, no Irã, e Dubai, capital dos Emirados Árabes. Os mísseis foram disparados de uma fragata dos Estados Unidos que fazia a patrulha do Estreito de Hormuz, entre os dois países árabes. Todos os 290 passageiros a bordo morreram e a tragédia fora explicada como uma confusão dos oficiais americanos que confundiram a aeronave com um caça iraniano. Teerã receberia, pela tragédia, uma indenização de mais de US$ 100 milhões.
A presença militar em praticamente todos os casos levanta sempre hipóteses quase parecidas com relação a forma como os acidentes aconteceram e, por conseguinte, vitimaram seus passageiros. O voo MH17 passa, com suas 295 vítimas, a ser a mais mortífera tragédia provocada por abatimento na história, e assinala com letras negras uma estatística macabra e infeliz: A dos voos (e vidas) interrompidos pela confusão (?) ou ambição do poder militar, do rebeldismo e, simplesmente, da guerra sem sentido.