“Futebol é nossa vida”
Já dizia o refrão do som que embalava a determinada seleção da Alemanha durante a Copa de 1974, disputada em sua casa. Não é para menos que o bom alemão tem paixão incurável pelo futebol. Seu país é o que mais jogou em Copas do Mundo na história (107 até a semifinal contra o Brasil), o que mais chegou a finais (vai para sua oitava final), e tão somente tem modestos três títulos mundiais por simples azares e infelicidades da vida.
No entanto, o espetáculo alemão dentro do Mineirão, visto com perplexidade por brasileiros e até, quem diria, por alemães, parece estar colocando fim a uma sina de infelicidades que já dura 24 anos. Sua última conquista veio num tempo onde o país ainda não era oficialmente uma nação “unificada”, e que com um selecionado de craques como Lothar Mathaus, Voller, Klinsmann e com “Der Kaiser” Franz Beckenbauer como técnico, levantava a cobiçada Taça FIFA em solo italiano.
Foram sonoros sete gols, tentos que levaram a seleção brasileira aos prantos, mas também que obrigam a uma reflexão forçada sobre a forma como seu futebol é tratado nos últimos tempos. Mas, por efeito do destaque desta cronica, vamos nos ater apenas ao que a Alemanha, majestosamente, apresentou em campo. Uma equipe bem montada, organizada, sem badalações nem oba-oba antecipado, e que tem como missão maior sair do Maracanã no próximo domingo com sua quarta estrela, aquela que o mesmo Brasil perseguia até 1994, num intervalo de iguais 24 anos de jejum.
Perplexidade, Coincidências, Feridas e Reencontros
Não foi somente a massiva e empolgada torcida brasileira que ficou sem acreditar na tragédia que abateu-se no palco maior do futebol de Minas Gerais, os próprios alemães custavam a acreditar no feito conseguido pelos velhos camaradas de Joachim Low. Em 10 minutos, a Alemanha simplesmente aniquilou quaisquer possibilidade de reação ou resposta do escrete canarinho, aplicando quatro gols a meta de Julio Cesar.
O fim do primeiro tempo poderia ser o fim do jogo. Ate ali, a Alemanha já havia apresentado o seu melhor futebol durante toda a Copa. Coisa que só havia exibido mesmo na partida de estréia, quando goleou impiedosamente Portugal por 4 a 0. Nos outros jogos teve mistos de cautela, sufoco e problemas de marcação nas laterais. Contra Gana, escapou de uma derrota certa com um gol de reflexo de Klose. Jogou o suficiente contra os Estados Unidos, mediu forças contra a consistente Argélia (levando o jogo para a prorrogação) e fez o suficiente para despachar a forte França com um simples gol.
Mas o espetáculo já estava consolidado. Em organização e funcionamento de sua tática diante do nervosismo e sensação de panico da seleção brasileira, dominada pelos teutos. O 7 a 1 causou espanto não apenas aos brasileiros, mas também aos alemães presentes no estádio e nas ruas das várias cidades alemãs. Não era apenas alegria, mas perplexidade, talvez nem mesmo o mais firme torcedor germânico nas ruas de Berlim ou o jornalista mais experiente da ZDF acreditasse no que viu, se foi a ausência de uma seleção pentacampeã mundial, ou a força oculta de seu escrete.
Foram sete “estocadas”, não que seja o Brasil, hipotética e romanticamente falando, o seu único “algoz” em qualquer competição. Dizia o brilhante comentarista Paulo Vinícius Coelho, da ESPN, que a seleção alemã “é feita de cicactrizes”. E não são poucos os exemplos, a equipe de 1974 convivia duramente com a lembrança da inescrupulosa derrota para os ingleses na final de 1966 e para os italianos, na empolgante semifinal da Copa de 1970. A equipe de 1990 vinha com os fantasmas das derrotas em duas finais seguidas, em 1982 (Itália) e 1986 (Argentina).
Esta geração em campo tem trancada em sua garganta o peso de uma final e duas semifinais em que o choro foi maior que o futebol. Em 2002, o time foi batido sem chance de revide por uma boa seleção brasileira. Em 2010, a Espanha tirou no fim do jogo suas chances de buscar mais uma final, mas em 2006, diante de sua carrasca tradicional – a Itália – o time comandado por Jurgen Klinsmann viu o sonho de seu tetra ser cruelmente adiado diante de sua torcida, depois de muita luta e equilíbrio em uma partida inesquecível.
É a oportunidade de, enfim, uma geração coroar seu trabalho com um tão sonhado título mundial. E do outro lado deste sonho possível estão dois adversários que trazem a Alemanha entalada na garganta como lembrança dolorosa de finais de Copa. A Argentina tinha em 1990 a chance de chegar a um tricampeonato, consolidando seu domínio nos pés de Maradona e cia. Foi fragorosamente “roubada”, mesmo que de forma justa (pelo jogo defensivo que fez), pelo mexicano Edgardo Codesal, que marcou um pênalti inexistente aos 40 min do segundo tempo.
Já a Holanda persegue alucinantemente sua conquista maior. Um futebol que tem apenas como sua grande gloria uma única Eurocopa, sonha acordado com um título mundial. Alcança-lo diante da Alemanha seria, nos termos mais teatrais da obra, a “vingança perfeita”. Afinal, há exatos 40 anos, os alemães davam dentro de Munique o golpe de misericórdia em uma geração marcada pelo futebol total de Cruijff e Neeskens. A sina de “quase” dos holandeses permanece até os dias atuais, mesmo com grandes equipes montadas ao longo dos anos.
Seja qual for o desfecho de que a Alemanha participar, como vitoriosa ou derrotada, o exemplo já foi dado em 90 minutos de como um futebol bem treinado e focado pode sim ser campeão, sem enfeites, badalações e exposições exageradas. A lição ficou para o Brasil, e os germânicos seguem adiante atrás do sonho de enfim poder bordar sua quarta estrela em seu uniforme. Mesmo que perca, o entalado alívio na garganta dos teutos foi solto, em sete atos que entraram para a história.