E outra vez, toneladas de concreto fazem vítimas na capital mineira. A manhã da última quinta-feira (03/7) foi de um enorme susto e tristeza para motoristas que cruzavam a avenida Pedro I, na região da Pampulha, em Belo Horizonte. Um viaduto, que integra o pacote de obras programadas de mobilidade urbana para a Copa do Mundo, desabou num piscar de olhos diante de uma das vias mais movimentadas da cidade. A estrutura fez seus saldos, atingiu um micro-ônibus, um automóvel e dois caminhões, além de duas mortes e 21 feridos.
Curiosamente, a via é uma das rotas de acesso ao estádio Mineirão, uma das sedes da Copa do Mundo e próxima parada da Seleção Brasileira, na próxima terça-feira (08/7), contra a Alemanha, pelas semifinais do Mundial. Como ainda é mais curioso a obra fazer parte do programa de mobilidade urbana do governo federal para o evento. Mas não pode deixar de fugir a lembrança, em seus detalhes, de outra tragédia mineira que envolveu concreto, sangue e lágrimas em busca do apoio e legado político de autoridades nacionais.
Na mesma capital mineira, mas desta vez na zona oeste da cidade, era erguido um colossal pavilhão de eventos que teria como grife o moderno projeto fabuloso arquiteto Oscar Niemayer. O chamado Parque de Exposições Bolivar de Andrade era popularmente conhecido como “Parque da Gameleira”, por conta de sua localização, o bairro da Gameleira, que no longínquo 1971 ainda estava sendo explorado para a construção civil de Belo Horizonte.
Era o mês de fevereiro de 1971, e as obras de construção do pavilhão corriam em ritmo aceleradíssimo, tudo por conta da vontade do então governador mineiro Israel Pinheiro, que queria transformar o complexo em seu principal legado deixado pelo seu governo que findaria em março daquele ano. Sem a fiscalização necessária, sem dar-se ouvidos aos especialistas que avaliavam a ainda frágil estrutura da obra, o governo estadual ordenava a remoção das vigas e escoras de sustentação da estrutura. A prioridade era terminar a obra, nada mais importava.
Estalos, fissuras, tudo viraria simplesmente montes e montes de escombros quando, as 12h do dia 4 de fevereiro de 1971 as 10 mil toneladas da estrutura do pavilhão vinha abaixo em um desabamento espetacular e macabro. Em questão de minutos, 69 operários perdiam a vida embaixo do que seria o legado político de Pinheiro. Outros 100 ficariam feridos e até mutilados. Uma tragédia que abalaria Minas Gerais, e todo o Brasil, sendo conhecida como a pior catástrofe da construção civil brasileira, colocando o ramo em xeque e levantando questões pontuais e cruciais sobre seus métodos.
Para completar, o estado e a construtora responsáveis pela obra se eximiram da culpa pelo acidente e os processos indenizatórios dos vitimados ainda corre na justiça até os dias atuais. No local, atualmente, estão os modernos pavilhões da Expominas, que em nenhum canto de seu entorno tem alguma menção ou lembrança aos 69 que pereceram no seu breve momento de recreação.
Teoricamente, comparando o Viaduto com a Gameleira, fica a certeza de uma triste realidade que não muda na política nacional. Produzir obras de qualidade zero, visando o “legado político” e conteúdo para as campanhas eleitorais, é algo tão em voga atualmente que ainda é passado despercebido nos olhos dos eleitores. A vigilância nula dos processos financeiros, captação de verbas e superfaturamento é apenas parte de toda a problemática que leva as ditas “realizações” ao banco dos réus em se tratando de qualidade das obras que inauguram, sobretudo em fins de mandato.
A Copa segue, nos rastros do viaduto, o seu curso na capital mineira. E duas famílias fatalmente choram agora a perda de seus entes queridos, como assim choram as dos 69 que, pela negligência fatal de quem tem a caneta na mão, soterraram sonhos e alegrias no chão hoje nobre da Gameleira.