quinta-feira, 28 de março de 2024
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Ayrton Senna – Como descrever 20 anos de saudade?

 

Imola, 1994 - Um Senna diferente entraria na pista (UOL)
Imola, 1994 – Um Senna diferente entraria na pista (UOL)

Era uma manhã de maio, eu ainda tinha meus inocentes três anos de idade e costumava, como toda manhã de domingo com F1, brincar com meus carrinhos de corrida no divã da sala, enquanto acompanhava ainda meio que disperso os GPs.

Meu pai muitas vezes me inspirava a acompanhar os GPs naquelas manhãs, sempre na certeza de que na pista, um atrevido brasileiro de capacete amarelo nos traria mais uma grande alegria. O dia 1º de maio era pra ser mais um desses dias que iríamos preparam o almoço ouvindo a bela canção composta por Eduardo Souto e executada pelo Roupa Nova que decretava mais uma vitória brasileira: O “Tema da Vitória”.

Lá estava a família reunida, pai, mãe, meus padrinhos de batismo (tios), outro tio meu que estava de visita e eu, com meus carrinhos. Era uma largada decisiva para Senna, afinal a pressão de ter de se recuperar diante do domínio eminente de Michael Schumacher e sua Benetton-Ford era tremenda. Toda a imprensa brasileira contava com o tetra de Ayrton, especialmente guiando uma Williams.

Era o sonho de um cidadão que, naquele 1994 completava seus 10 anos de competições. Aquele moço franzino que na molhada pista de Mônaco, em 1984, deslumbrava publico e critica com sua pilotagem afiada, precisa e firme diante uma Monte Carlo quase alagada pela chuva torrencial que caia. Senna mostrava ter algo diferente do estilo de um Prost, um Lauda, um Piquet.

Era uma precisão cirúrgica de tirar o máximo mesmo em condições horrendas. A interrupção da prova não deixou que uma modesta Toleman-Hart pudesse ser consagrada com uma vitória que seria histórica, mas Senna mesmo assim nascia para a F1, e seria o ídolo marcado antologicamente  naqueles 10 anos seguintes.

Mônaco, 1984 - O nascimento de um ídolo batizado na chuva (Senna Files)
Mônaco, 1984 – O nascimento de um ídolo batizado com chuva (Senna Files)

Pois estávamos nós aguardando o fim da volta de apresentação e o início do GP de San Marino. A F1 ainda estava mexida com os questionamentos em sua segurança, especialmente na dos carros, que sem os recursos eletrônicos de 1993 estavam transformados em máquinas quase indomáveis. A Williams de Senna era a maior prova, sem tecnologias como a suspensão ativa e o controle de tração o seu carro passava de uma máquina insuperável a um bólido instável, nervoso desde os primeiros treinos, o que deixava o brasileiro aflito e desesperançoso com bons resultados.

A morte de Ratzenberger no sábado, o prelúdio do desastre (divulgação)
A morte de Ratzenberger no sábado, o
prelúdio do desastre (divulgação)

Era uma largada tensa, algo estranho estava no ar, e logo na luz verde a Lotus de Pedro Lamy abalroa a Benetton de J. J. Lehto, parada no grid. Um choque forte, tal qual foram as pancadas de Rubens Barrichello e Roland Ratzenberger nos dias anteriores. O brasileiro escapou da morte por muito pouco, chegando a quase engolir a língua por causa da desaceleração violenta de seu Jordan no acidente do treino de sexta-feira. Já o austríaco poderia ter evitado algo pior no domingo, se sua morte trágica á 320 por hora não tivesse levado uma eternidade para ser divulgada.

Mas o show continuava após o safety car. Ninguém aquelas alturas imaginava que poderia ainda acontecer algo terrível. Toda a concentração de uma torcida estava na relargada, quando certamente Schumacher partiria para cima de Senna. A Benetton tinha um carro poderoso, mas não era 100% ético segundo o regulamento. O próprio Ayrton acreditava que a equipe de Flavio Briatore escondia artimanhas por sobre o capô, mas provar não era a intenção do brasileiro naquele momento, antes de mais nada era preciso voltar aos trilhos da vitória, e a recuperação começaria em Imola, uma das pistas onde Senna mais venceu (1988, 1989, 1991).

Senna perseguido por Schumacher, a última briga do brasileiro na pista (Monumental Fórmula)
Senna perseguido por Schumacher (carro azul claro), a última briga do brasileiro na pista (Monumental Fórmula)

Chegava a décima volta, Schumacher cola em Senna, observávamos o onboard da Benetton rasgando a Tamburello a mais de 320 horários, quando num movimento súbito a Williams sai de rota e choca-se violentamente no muro de concreto. Pronto, todos pulam, param em seus lugares na sala, uma certa aflição rola no ar e é inevitável pensar o impensável até então. Apenas com três anos de idade, parecia eu não crer que o tal “herói” que todos se referiam tinha terminado seu mais importante grande prêmio: O da vida.

O choque na décima volta, era o fim (Wikipédia)
O choque na décima volta, era o fim (Wikipédia)

O domingo foi de aflição e ânsia por alguma boa nova, até que Roberto Cabrini deu a notícia que ninguém queria ouvir por mais trágica que fosse: Ayrton Senna estava morto. Foi um choque violento para um país que via no piloto um símbolo de alegria e persistência em meio a crises econômicas, inflação, maus governos e falta de um rumo. Nem mesmo o futebol (que seria tetra em 1994) parecia capaz de aplacar a dor de uma nação ferida em sua auto-estima pela enésima vez.

Bom, assim passaram-se 20 anos. Hoje, um adulto feito e acompanhante apaixonado pela F1 já desde 1993, fica difícil pensar como descrever

A velha imagem de vitória no pódium, pose repetida por Senna 41 vezes (Diario Motorsport)
A velha celebração da vitória
no pódium, pose repetida por
Senna 41 vezes. (Diario Motorsport)

a saudade de Senna, não de forma ufanista, mas de um jeito puramente saudoso de um tempo de arte da F1. Com Ayrton, morria também a verdadeira essência do circo. Dos tempos das corridas no braço, no limite extremo e dos grandes lances que hoje estão imortalizados apenas na história.

Pistas mudaram, respostas foram procuradas para explicar o inexplicável, pilotos perderam sua combatividade natural. A F1 se blindou, mas nada disso trouxe de volta a alegria das manhãs de domingo com Senna. O “Beco”, o “Mr. Mônaco”, que gravou seus feitos a ferro e fogo no coração de muitos, sobretudo na mente dos fãs da categoria, que mesmo vendo o Brasil “perdendo” em muitas corridas seguintes, acompanhavam catolicamente as provas.

Capricho do destino que também me afetou após a morte de Senna. Se tenho este interesse apaixonante pela F1 até hoje, em grande parte devo aos prodígios de um herói que, sozinho, domava um carro apenas com a sexta marcha engatada, sob pista molhada, para alegrar sua torcida, dentro de seu país, como foi em 1991.

Como descrever a saudade de Senna? De muitas maneiras, mas no meu caso não fica apenas a falta do tricampeão e de suas histórias, mas também o “muito obrigado” por todas as 41 vitórias, os três títulos, as 65 poles e os inúmeros sorrisos de torcedores e admiradores de sua técnica, genialidade e sensibilidade jamais vistas na F1.

Termino esta crônica com um breve trecho narrado por Celso Freitas, no fim do Globo Repórter especial sobre Senna, em 1994: “Agora que todas as palavras foram ditas, que todas as cenas de uma vida foram velozmente revistas, a alma é uma pista vazia, a espera que os motores do dia arranquem, e nos tragam alguma alegria…

Valeu, Ayrton!

(UOL)
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