terça-feira, 23 de abril de 2024
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Amor nos tempos de silêncio

O homem que ela amava era cliente de sua padaria. Na verdade, os dois se amavam por olhares e por silêncio. Durante a semana, os falsos amantes encontravam-se: ele pedia um café e ela o atendia, os olhares dançavam entre si. Não havia certeza que o amor era recíproco, mas seus corpos indicavam que sim. A garçonete agradecia a Deus por aquilo que via e sentia: seu cliente era um homem já calvo, mas seus olhares despiam um menino que tinha medo de mexer nos fantasmas de um coração partido. A mulher sabia disso, e era lindo.

Todos os dias ela limpava os pratos e atendia a clientela, e, não menos importante, todos os dias ela vivia em um casamento falido. Estava condenada em passar o domingo à tarde assistindo ao programa de auditório preferido do Brasil em uma eterna solidão acompanhada, a vida havia passado em seus olhos. Para o cliente e falso amante não seria diferente, ele era um solteirão que passava os dias matando serviço e andando de bicicleta. A distância entre a garçonete e o cliente não era física, era de covardia. Viver a vida mais ou menos era o destino que eles haviam procurado depois dos desastres passados, aventurar-se em uma brincadeira com o Deus do Amor não era uma opção.

Em uma quinta-feira abafada, o cliente apareceu fora do horário de expediente. A garçonete estava se preparando para ir embora, seu pé estava na porta dos fundos quando ouviu aquela tosse asmática que ela conhecia tão bem e por toda a vida. A garçonete parou, fez meia volta, e retorna ao seu amor, por ele, ela volta sempre. Disparava assim, as expectativas de um coração frágil, o Amor não suporta brincadeiras, ela sabia disso, mas a relação dos dois era mais sólida que o romance da novela das 21h. Os dois olharam-se, suspiraram e, em um gesto ousado, ela oferece uma xícara de café por sua conta. A garçonete joga a esperança sem saber o que aquilo significava. Após um longo flerte com os olhos, ele apertou a sua mão, e agradeceu chamando-a de “minha amiga”.

O beijo de Bonnie e Clyde, exposto em Dallas (Texas)
O beijo de Bonnie e Clyde, exposto em Dallas (Texas)
Felipe Gabriel Schultze
Felipe Gabriel Schultze
Formado em Direito, escreveu os livros 'Federalismo Brasileiro' e 'Sede de Liberdade'. Escreve sobre reflexos do cotidiano.
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