sexta-feira, 19 de abril de 2024
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Blumenau

O infernal e melancólico “adeus” do Frohsinn

Incêndio no antigo Frohsinn. O ponto final ardente de uma discussão infindada entre vender e manter (Blog do Jaime)
Incêndio no antigo Frohsinn. O ponto final ardente de uma discussão infindada entre vender e manter (Blog do Jaime)

Acabou

Quase 45 anos de história viraram cinzas, e cinzas dolorosas. A memória de Blumenau chora, lamenta e observa entristecida a cena de barbárie do sinistro consumindo sem dó nem piedade a histórica sede do antigo restaurante Frohsinn. O topo do Morro do Aipim, ora majestoso pela beleza da mata e pela vista monumental da cidade agora guarda uma carcaça calcinada de restos de madeira, tijolo, árvores e histórias perdidas, que permanecerão inesquecíveis no coração dos saudosistas e de seus ex-funcionários.

Inaugurado no impulso do turismo blumenauense, em 1969, a obra ganhava ares de Alpes no centro da cidade. Era construída em um solo tecnicamente histórico, já que o Morro do Aipim era de propriedade da família de Dr. Blumenau e fora doado a cidade em 1911, por intermédio de Pedro Hermann e Christina Blumenau, em visita a cidade. De apenas um belo panorama, o Frohsinn virou expoente da culinária típica da cidade-jardim, mantendo no cardápio iguarias que antes constavam nos livros das “omas” há muitos anos.

Novo em folha, no início dos anos 70. Além da vista e da boa comida, restaurante carregada a honra de ocupar o último espólio do fundador da cidade (Antigamente em Blumenau)
Novo em folha, no início dos anos 70. Além da vista monumental e da boa comida, restaurante carregada a honra de ocupar o terreno do último espólio do fundador da cidade (Antigamente em Blumenau)

No cardápio, chopp genuinamente citadino, o curioso Hackapetter (carne moída crua e temperada), o apimentado Einsbein (joelho de porco), o irresistível “Apfelstrudel” (torta de maçã), sem falar no marreco com repolho roxo, que no Frohsinn era preparado como nos tempos coloniais, levando exatamente 40 horas de cozimento lento, gradual e seguro. A boa comida, no entanto, não era a mesma sem as noites de Kerb, as noites de reunião de famílias, autoridades, famosos, pessoas que esqueciam suas hierarquias e estavam todas sentadas nos mesmos bancos, sobretudo no natal, onde a ceia reunia a todos na mensagem cristã e na plural da paz.

Mas os bons ventos não mais sopravam positivamente nas frondosas árvores do Morro do Aipim. Em outubro de 2013, a prefeitura tira dos donos, já combalidos em problemas financeiros, o direito de explorar seu prédio para o uso de um restaurante. Dali por diante uma intensa discussão sobre vender ou ficar tem início. Os órgãos de cultura são contrários a venda em benefício (altamente nobre) a preservação histórica de uma propriedade originalmente do povo. A administração e o turismo, favoráveis sem que nada os mudasse a ideia. No meio da ciranda, um prédio histórico que via-se cada vez mais refém da ação de vândalos, viciados, de qualquer tipo de cidadão desocupado que fazia do local seu antro.

Um panorama da cidade vista do restaurante. Mirante do Morro do Aipim é um dos mais belo da cidade (Blog do Jaime)
Um panorama da cidade vista do restaurante. Mirante do Morro do Aipim é um dos mais belos da cidade (Blog do Jaime)

Abandonado a própria sorte, teve a chance de ser salvo, nem que para isso fosse apenas a mão de jovens idealistas e inspirados na ideia de fazer do casarão o novo lar da sua música, cultura, teatro, de seus pensamento. O coletivo Vamo Siuni? organizou sua força-tarefa, convocou a mocidade via Facebook e, em uma ação louvável, cumpriu aquilo que a administração pública era visivelmente incapaz de fazer: Limpar como podia o espaço violentado do Frohsinn, terminando o dia ao som de batuques e dança com a vista da cidade-jardim de companheira e a esperança que algum dia o velho restaurante fosse casa de preservação da produção artística, cultural e de memória da cidade. Boa intenção, que não foi suficiente no duelo de interesses, que culminou no fim de tarde ensolada de quarta-feira (20/8), com um incêndio criminoso (e suspeito) e 45 anos de história virando cinzas e chamuscas em meio a mata.

O Vamo Siuni? toma conta do mirante e do restaurante, oferecendo uma limpeza e uma agradável demonstração de cultura. Esperança de tornar o local lar da cultura e história virou cinzas nesta última quarta (20/8) (Blog do Jaime)
A boa “invasão” dos jovens do coletivo “Vamo Siuni?”, que limparam o local e trouxeram música, arte e dança ao espaço. Esperança de tornar o Frohsinn lar de cultura e história viraram cinzas. (Blog do Jaime)

Culpados? Não se aponte apenas os malditos vândalos, que insistem em dizer que a cidade é “sua”, aproveitando a ausência da lei e da punição para fazer de Blumenau sua “caixinha de brinquedos” com seus atos depravados e nefastos. A grande responsabilidade mesmo é do poder público municipal, que desde a tomada do imóvel manteve a teima descabida em vender, as discussões acaloradas, a perda desnecessária de tempo em transformar o antigo Frohsinn num espaço digno da história e cultura da nossa cidade.

Salva-se apenas o impedimento a Fundação Catarinense de Cultura, que queria o Frohsinn para sí apenas para junta-lo a lista de patrimônios maltratados e mal cuidados por Santa Catarina. Neste embróglio, o tempo perdido do jogo de poder é que deu o golpe de misericórdia na bela casa do Morro do Aipim

Escrevendo eu com a alma chorosa? Sem dúvida que sim. Como entusiasta da história, blumenauense enamorado com sua cidade e um jornalista atônito, assistimos com o sentimento de culpa e uma certa dose de enlutamento a última página de uma trajetória que não podia acabar, de um lugar que Blumenau se encontrou, provou sua comida típica, dançou nas noites de Kerb…viveu a sua cidade em toda sua beleza…Esperança de o ver majestoso novamente e como lar das manifestações artísticas e da preservação da memória? Talvez algum dia, driblando a “burrocracia” e os desmando, volte a nascer o “Estado de Alegria” (significado de Frohsinn, em alemão) nas matas belas do imponente morro.

O Frohsinn se foi…talvez volte, quem sabe?

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