sábado, 20 de abril de 2024
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Getúlio Vargas – 60 anos de uma manhã no Catete

(Wikipedia)
Getúlio Vargas em foto oficial (Governo do Brasil)

Já passavam cinco minutos das 8h30 da manhã no quarto presidencial do Palácio do Catete, no centro nobre do Rio de Janeiro. A madrugada passada, que parecia sumir com os primeiros raios de sol do dia que nascia, não havia acabado na cabeça da única pessoa que saiu dela no Brasil com uma pressão sobre-humana. O cerco parecia fechado, a saída parecia apenas uma, estava em cima da cômoda de seus aposentos. Após tracejar as últimas linhas de uma extensa carta, que parecia de despedida, o combalido senhor pega aquilo que devia ser seu último alívio em um sitio armado. Era uma pistola Colt, calibre 32, de cano curto, mas que conteria uma longa história que neste domingo fecha-se em 60 anos. O tiro assustou a quem estava no Catete. A correria foi imediata, quase como um reflexo. Era o último ato que tomaria, aos 72 anos, o então presidente Getúlio Dornelles Vargas, cumprindo assim o que dizia na última frase da carta que deixava em sua cômoda como última lembrança de sua partida, e seu único testamento escrito antes do tiro derradeiro. “Serenamente, dou meu primeiro passo a caminho da eternidade, e saio da vida para entrar para a história”.

Vargas e seus simpatizantes após a conquista do poder na Revolução de 1930 (Wikipedia)

O suicídio de Getúlio Vargas, na manhã de 24 de agosto de 1954, sem dúvida pode ser narrado como o momento mais dramático vivido pela política brasileira nos anos pós-guerra (e pós-ditatura do Estado Novo) no país. Um dos mais marcantes da história brasileira e que até hoje é lembrado como marco do fim de um período único no viver nacional. Das batalhas contra os mantedores da velha política dos coronéis e oligarquias, da busca contra opositores e rivais face a briga pelo que julgava o direito máximo dos trabalhadores (a CLT), a Segunda Guerra, a volta ao poder, a Petrobrás, em todos estes momentos estava lá o dedo do “velho”, que depois de voltar ao Catete pelo voto em 1950 acabou visto cercado por um capitulo decisivo no que para muitos se julgava uma volta a 1937. Um disparo certeiro no coração, e Vargas deixava os problemas por terra, e o país em lágrimas.

Carteira de Trabalho, obrigação prevista nas CLT desde 1934. Obra de Vargas (Wikipedia)
Carteira de Trabalho, obrigação prevista nas CLT desde 1934. Obra de Vargas (Agência Brasil)

Gaúcho de São Borja, uma cidadezinha na fronteira com a Argentina, deixou de ser um pacato advogado filho de família nobre para seguir o caminho da política que pulsava em suas veias. Pivô da ira paulista diante da eleição de 1929, fez até morto votar contra si na disputa contra Júlio Prestes durante um dos momentos mais dramáticos da vida brasileira nos fins da chamada “Republica Velha”. Rumou em marcha, junto a seus simpatizantes, para tomar no chicote o que era seu por direito: A faixa de presidente, que colocava um ponto derradeiro na política oligárquica que empeirava no país até 1930. De apaziguador a ditador foi um salto de sete anos. Crises, embates contra São Paulo (na Revolução de 1932), balanceando sua imagem como a de “pai dos pobres”, como era chamado por seus simpatizantes, provendo os direitos do trabalhador e ajustando o funcionamento da nação nos seus pormenores. Vargas passou de temido a idolatrado pelo povo em um piscar de olhos, mesmo com o advento da constituinte de 1937, que colocou de cima a baixo fim nos “tempos de paz” para instalar seu Estado Novo, e perpetuar-se no poder até 1945, frequentando esta tênue linha entre o ditador impiedoso com os rivais e, em outro lado, como benfeitor nacional em busca da excelência da nação. Na Segunda Guerra, se viu as avessas entre sua aproximação com o eixo e a pressão do brasileiro que assistia, atônito, o torpedear alemão de navios mercantes brasileiros em sua própria costa. Deu as mãos a Rosewelt e fez os Estados Unidos, mesmo que quase forçadamente, descobrir o irmão do sul e traze-lo para junto do esforço de guerra contra as forças nazifascistas na Europa. Vencida a guerra, era hora de voltar-se a pátria amada, que agora o via como ameaça por ser um ditador diante da queda dos “semelhantes” no Velho Mundo. Em 1945, era apeado do poder pelos mesmo generais que começaram sua empreitada em 1937.

Franklin Roosevelt fazendo piada com Getúlio na Bahia. Aproximação dos EUA na Guerra mudou a "visão fascista" do presidente brasileiro (Wikipedia)
Franklin Roosevelt fazendo piada com Getúlio na Bahia. Aproximação dos EUA na Guerra mudou a “visão fascista” do presidente brasileiro (Obra do próprio)

Ausente, quase desaparecido do poder e observando, de longe, a condução do governo pelo seu amigo Dutra, Vargas esperou a hora certa para voltar aos ditos braços do povo que parecia sentir falta. Com a constituição de 1946 e as eleições a caminho, armou-se desta vez de argumentos e de uma maquina publicitaria poderosa, que pedia a volta do retrato do velho ao Catete, e no mesmo lugar, como dizia a marchinha. Foi o pedido, e em 1950, para temor de seus opositores e felicidade de seus beneficiados, desembarcava no Rio para voltar a ser soberano da nação. Não como ditador, mas como um mero civil. E tudo parecia ir tão bem. Talvez, refletindo no espelho sua imagem cansada antes do tiro fatal, se lembrava do que havia visto em sua segunda passagem pelo governo brasileiro. A criação da TV, da Petrobrás, a aceleração da política rodoviária que havia iniciado (e que estava minando as ferrovias), a ascensão esportiva nacional, o rádio, tudo parecia um sonho, até aparecer Carlos Lacerda em seu caminho, Opositor ferrenho, político duro e que via em Vargas um prenuncio de uma volta ao passado mesmo que ele o parecia tão distante.

A mão preta de petróleo mostrada por Vargas denotava o fim da procura do "ouro negro" e o início da Petrobrás (Wikipedia)
A mão preta de petróleo mostrada por Vargas denotava o fim da procura do “ouro negro” e o início da Petrobrás (Banco de Imagens Petrobras)
Carlos Lacerda, carregado por guardas após o fatídico atentado na rua Toneleiro (Wikipedia)
Carlos Lacerda, carregado
por guardas após o fatídico
atentado na rua Toneleiro
(Wikipedia)

Chegava 1954, tenso em todas as partes, com uma pressão gigante diante do que julgava ser certo para o país, Vargas adentra seu mandato no mês de agosto vendo-se tomando os dois primeiros “tiros” que o levariam ao túmulo no dia 24. Na pacata rua Toneleiro, eis que dois funcionários da chamada “Guarda Negra” (guarda pessoal de Getúlio) atacam a Carlos Lacerda na saída do saguão do apartamento onde morava. Tudo sai pela culatra, o que era pra ser o fim do maior opositor de Vargas transforma o então desconhecido major Vaz, da Força Aérea Brasileira (FAB) em bandeira de luta contra o governo. Era o que faltava, não bastasse a pressão por parte de seus opositores, Vargas se vê acuado, sem ter onde correr e agarrando a faixa presidencial com todas as garras possíveis, negando a renúncia ou afastamento. Com as investigações do atentado literalmente apontando Gregório Fortunato, chefe da guarda, como mandante do crime, parecia claro que a ordem partiu da mão do próprio Presidente da Republica. Era demais, depois de uma longa reunião, sem definir seu futuro e parecendo se despedir do próprio plano terreno, Vargas se recolhe a seus aposentos, onde resolve com um tiro fulminante acabar com tudo. Com as especulações, com as pressões, com seu próprio governo.

Preferia Vargas, entre a renúncia e a licença, sair do Catete morto. Foi o que fez na manhã de 24 de agosto (Wikipedia)
Preferia Vargas, entre a renúncia e a licença, sair do Catete morto. Foi o que fez na manhã de 24 de agosto (Wikipedia)

O choque imediato marcou o 24 de agosto. O povo convulsivamente chorava ante seu esquife inerte durante seu velório. Como o final de um livro épico, a nação ficava órfã de seu presidente. Amado ou odiado, o Brasil vira virar ali uma das suas mais emocionantes páginas históricas, terminada sob sangue e tristeza tal quais as grandes peças teatrais dramáticas. Passados 60 anos depois, O Catete agora guarda apenas as relíquias do tempo de capital federal, e neste dia relembra outra vez a manhã em que um único tiro fez o Brasil amanhecer sem um mandatário a sua frente, e eternizando a vida de um dos mais importantes políticos e vultos da vida nacional. Foi assim que Getúlio Vargas cumpriu sua última promessa, como dito, na última frase da carta-testamento, deixada como único recado do fim de seu governo e vida: “Serenamente, dou meu primeiro passo no caminho da eternidade, e saio da vida para entrar na história”. E assim o fez, há 60 anos.

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